Agosto é conhecido nacionalmente como o Agosto Lilás, mês dedicado à conscientização e ao enfrentamento da violência contra a mulher. A campanha foi criada em 2016 com o objetivo de informar a população, divulgar os canais de denúncia e fortalecer as redes de apoio às vítimas de violência doméstica e familiar.
A escolha do mês está diretamente ligada à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), sancionada em 7 de agosto de 2006. A legislação representa um marco no combate à violência de gênero no Brasil, ao definir e classificar os diferentes tipos de agressão – física, psicológica, sexual, moral e patrimonial – e criar mecanismos para a proteção da mulher e punição dos agressores.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil registra, em média, mais de 1.300 casos de violência doméstica por dia. Em 2024, mais de 250 mil mulheres denunciaram algum tipo de agressão, sendo que a maioria dos casos ocorreu dentro de casa, praticada por parceiros ou ex-companheiros. Especialistas alertam, no entanto, que os números podem ser ainda maiores devido à subnotificação – muitas mulheres ainda enfrentam medo, vergonha ou falta de apoio ao denunciar.
Outro dado preocupante é o número de feminicídios, assassinatos de mulheres motivados por questões de gênero. Apenas no primeiro semestre de 2024, mais de 700 casos foram registrados em todo o país, o que representa um aumento em relação ao mesmo período do ano anterior.
Durante o mês de agosto, a cidade de Guarapuava intensifica as ações de conscientização sobre a violência contra a mulher. A mobilização local envolve diversos setores do poder público e tem como foco a informação, a prevenção e o fortalecimento da rede de apoio às vítimas.
A Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal, junto à Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, Patrulha Maria da Penha, MAP (Movimento de Apoio à Mulher) e outras entidades, vem promovendo capacitações, encontros com a comunidade, distribuição de materiais informativos e ações em escolas, unidades de saúde e bairros da cidade.
Desde o final de julho, às atividades já ocorrem em diferentes espaços, a vereadora Beatriz Aparecida Neves(Profª Bia), também representante da procuradoria da mulher, diz que: “a denúncia tende a aumentar quando as mulheres passam a ter mais informações sobre os seus direitos e os canais de apoio. O importante é que essas denúncias sejam acolhidas e que a rede esteja preparada para romper o ciclo da violência”.
Além das capacitações internas, o trabalho também é voltado à comunidade, atuando em grupos de mães, associações de bairro, escolas e hospitais, levando informações sobre os tipos de violência — física, psicológica, moral, sexual e patrimonial — e os caminhos disponíveis para buscar ajuda. Um dos desafios destacados é justamente o desconhecimento de muitas mulheres sobre a existência da rede de apoio no município.
“O ciclo de violência muitas vezes se mantém porque a mulher não tem independência financeira. Muitas permanecem em relações abusivas por não terem condições de sair de casa com os filhos. Romper esse ciclo exige apoio psicológico, jurídico e, sobretudo, estrutura para que ela recomece”, explica a vereadora.
Guarapuava conta com diversas frentes de atendimento à mulher, como a Patrulha Maria da Penha, o MAP e a própria Procuradoria da Mulher. No entanto, algumas iniciativas enfrentam limitações orçamentárias.
Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e o Núcleo Regional da Educação, estão sendo elaboradas ações educativas adaptadas a diferentes faixas etárias, com o objetivo de discutir respeito, igualdade de gênero e o papel da rede de apoio desde cedo. “A prevenção precisa começar na infância. É essencial conversar com meninas, mas também com meninos, para construir uma nova cultura de relacionamento baseada no respeito e na equidade”, afirma a Bia.
Dados Preocupantes
Segundo dados repassados pela Patrulha Maria da Penha, mais de 500 casos de violência doméstica foram registrados no primeiro semestre de 2025 em Guarapuava. A estimativa é que o número real seja ainda maior, já que muitas vítimas não denunciam.
O levantamento reforça a necessidade de ações permanentes de combate à violência, não apenas durante o Agosto Lilás. Segundo especialistas, as campanhas mensais são fundamentais, mas precisam ser acompanhadas de políticas públicas contínuas.
“Nosso trabalho não termina em agosto. Precisamos atuar o ano inteiro, levando informações, capacitando servidores e promovendo ações que cheguem a todas as mulheres, inclusive àquelas que ainda não se reconhecem como vítimas”, destaca a vereadora.
A campanha também alerta para a naturalização da violência psicológica, moral e patrimonial. Casos em que o controle financeiro ou a limitação da liberdade de ir e vir são confundidos com “cuidado” ainda são comuns. O trabalho de conscientização busca desmistificar essas práticas e incentivar a autonomia das mulheres.
Numape acolhe, escuta e transforma”: projeto da Unicentro oferece apoio jurídico e psicológico a mulheres vítimas de violência
Marion Regina Stremel professora da Unicentro, advogada e coordenadora do Núcleo Maria da Penha (Numape), explica que, o Numape é um projeto de extensão da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), vinculado à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), com recursos provenientes do Fundo Estadual para a Infância e Adolescência (FIA), por meio da Universidade Estadual do Paraná (UEF). Seu objetivo é claro: oferecer atendimento gratuito a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade econômica e social.
Segundo a professora Marion, para ter acesso ao serviço, a mulher deve ter renda de até três salários mínimos, possuir medida protetiva e um boletim de ocorrência registrado nos últimos 180 dias. “Ela pode chegar espontaneamente até nós. É acolhida por uma equipe formada por advogadas e psicólogas, preparada para lidar com as múltiplas formas de violência que ela possa estar enfrentando”, explica.
630 processos e uma missão: romper o ciclo
A advogada Sabrina Ramos destaca o volume de trabalho do núcleo: “Atualmente, temos mais de 630 processos ativos. Atendemos mulheres que buscam desde o divórcio e pensão até orientação e escuta sobre suas experiências de violência”.
Mas identificar a violência nem sempre é fácil. “A física deixa marcas visíveis. Já a psicológica, patrimonial e moral se instalam de maneira silenciosa e progressiva”, aponta a psicóloga Gabriele Guimarães. O chamado “ciclo da violência” muitas vezes começa com ciúmes, manipulação emocional, controle financeiro e isolamento social — e pode evoluir para agressões físicas e até feminicídio.
O psicólogo Alexandre Pereira, também coordenador do projeto, reforça: “É um processo longo, doloroso. A mulher demora para perceber que está em uma relação abusiva. Muitas vezes ela ama o agressor, sente culpa, medo, ou acredita que ele vai mudar”.
A advogada Andressa Boese detalha os primeiros sinais: “Ele começa afastando ela dos amigos, depois da família. Impõe regras sobre roupas, locais que ela pode ir, com quem pode falar. Isso vai minando sua autonomia e autoestima”. A dependência emocional, muitas vezes, é confundida com amor. E a dependência financeira torna a saída quase impossível.
A advogada Anna Luiza Antonelli ,integrante da equipe jurídica, pontua: “Quando ela depende economicamente dele, tem filhos e não tem onde morar, a saída da relação se torna ainda mais difícil. É por isso que lutamos também por políticas públicas que possibilitem sua independência — como capacitação profissional, creches, aluguel social”.
Segundo a equipe do projeto, não basta punir o agressor: “Precisamos de medidas que o responsabilizem e também de ações educativas. Sem isso, ele apenas trocará de vítima. Já atendemos casos em que o mesmo homem agrediu diferentes mulheres”, diz Marion.
A cultura machista e patriarcal ainda é um grande obstáculo. “A sociedade muitas vezes naturaliza o controle masculino sobre a mulher. Usa justificativas como ciúmes, alcoolismo, uso de anabolizantes… Mas essas agressões têm um objetivo claro: o domínio. E esse domínio é intencional”, afirma Anna.
Um espaço para recomeçar
O Numape é mais que um núcleo jurídico. É um espaço de reconstrução de vidas. “A mulher chega aqui machucada — física ou emocionalmente. Acolhemos sua dor, mostramos que ela não está sozinha, que tem direitos e que pode recomeçar”, diz Marion.
Para muitas mulheres, é ali que começa o fim do ciclo de violência. Com informação, acolhimento e apoio, elas começam a se ver novamente como sujeitas da própria história — e não como vítimas eternas da violência que sofreram.
Canais de Denúncia
As mulheres que enfrentam situações de violência em Guarapuava podem procurar ajuda pelos seguintes canais:
Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher (anônimo)
Disque 190 – Polícia Militar, com acionamento da Patrulha Maria da Penha
Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal
Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres
MAP (Movimento de Apoio à Mulher)
Numape

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